quinta-feira, 30 de julho de 2009

Argumento

Por: Clodos Paiva

- Que mania essa que você tem de querer saber o que faço com o meu dinheiro!
- Claro, você só gasta com cachaça com aquele bando de vagabundo.
- É claro que torro com cachaça! Só me resta fazer isso com a merreca que me sobra depois de te dar quase tudo. O que aliás você acaba dando tudo pra sua igreja, na mão daquele pastor cadeiêro. Aposto que eles tiram mais onda que eu, gastando tudo com putas e festas em hotéis.
- Deixa a minha igreja em paz!
- Vamo fazê assim, você me dêxa em paz com a minha pinga e meus camaradas de buteco, e eu dêxo você em paz com as suas irmãs de pernas cabeludas e com o seu pastor malaco, pode ser?
- Não fala assim do pastor, ele é pessoa muito honesta. Você podia parar de gastar dinheiro com cachaça e seguir o exemplo dele.
- Gastar meu dinheiro com putas e festas em hotéis? Ótima idéia!
- ...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Pomba

Por: Fernando Baldraia

É que nem eu te falei, fui lá trampar, tava voltando, aí vi uma véia com a cara estilo toda se entortando. Se pá foi derrame, o Chico Anísio também ficou umas épocas com aquela boca meio caída, vi na televisão. Mas aí vi a porra da pomba lá no chão, moscando, o povo passando pra lá, tipo num calçadão, e a pomba lá, sentada. Logo de cara eu não me liguei qual que era a da pomba, pensei até que a coitada tinha botado um ovo ali, no meio do pagode, e tava gelada de sair e largar o filhote, quer dizer, o que podia vir a ser um filhote, ali, no meio do pagode. Sei lá, a gente não tem desarranjo intestinal, tá tranqüilo, de rolê, e de repente, as tripa vai dando uns nó, dá aquela vontade da porra de cagar, as perna chega bambeia, a gente não sabe se anda ou se pára, dá suadeira e os caráio. Naquilo que o cu afrouxa memo, bate mó desespero, o jeito e se jogar onde dá. Vai que pomba tava lá, de boa, bicando uns resto de pipoca no calçadão e deu nela essa fita aí, mas em vez de com merda, com ovo.


Sapeei a tiazinha de novo, mas aí já tinha me ligado que ela tava era com cara de dó. Dó da pomba. E se não tivesse de óculos escuros, acho que se pá dava até pra ver os olho vermelho, estilo querendo chorar. Colou um tio do lado, com o celular na mão, parecia conhecido dela, trocaram uma idéia rapidinho, ele na mesma pegada compadecida. Ah, vai chamar o resgate, pensei. Porra, Alemanha, tá ligada, né, tudo mó organizado, deve ter aquelas paradas de recolhimento de animais abandonados. Ou até, vai saber, tudo tão organizado, derrepentemente um Serviço de Atendimento às Pombas em Situação de Risco. Eu, lógico, não parei pra ficar assistindo pomba nenhuma, numa passada me veio aquela da dor de barriga na pomba, e na outra já me caiu a ficha de que aquela asa abaixada não era pra esconder ovo nenhum, tava era zuada. Prossegui meu caminho, toda hora torcia o pescoço, pra ver se acontecia alguma coisa. Vi a tia saindo fora com o tiozinho, mas não foram embora, ficaram mais de quebradinha, à distância, naquelas de não fuder mais com a pomba, os bombero sempre fala isso aí, quando acontece um acidente, tem ferido e tal, aglomeração só atrapalha. E o respeito também voga, fica todo mundo em cima, carniçando, morreu boi nesta porra por acaso? Memo assim toda hora parava um grupinho em torno da pomba, até compensou ganhar a boa, era bem mais mina, e umas dava até um caldo, novinha assim ó, tudo no lugar ainda, firmeza.


Depois do farol perdi a pomba de vista, mas até aí não tinha chegado nenhuma ambulância ainda. Segui meu caminho, uma fome de lascar, que mané pomba, minha cara era chegar em casa logo, pra agilizar um rango. Apertei o passo. À toa, que na outra esquina o sinal tava vermelho pro pedestre. Pior é que não tinha carro nenhum, nem de lá nem de cá, mas o sinal mandava eles passar assim mesmo, e eu, com uma mochila pesando quem chumbo nas costas, varado de fome, tinha que ficar lá parado. Quer dizer, ter não tinha. O povo fala que os polícia dá multa pra quem atravessa no vermelho , digo gente, não carro, mas eu ainda não vi isso. Deve ser exagero. Além disso, num tinha polícia nenhum por perto, mas tinha uns povo sentado nos restaurante, nas mesinhas pra fora, comendo no sol. E gente fica naquelas de não querer parecer ignorantão. “Esses estrangeiros!”, eles vão pensar. “Preto ainda, já dava pra imaginar que não ia obedecer o semáforo.”, vão pensar. Eu podia meter um outro estilo: “Não sou daqui memo, e tô cagando e andando. Num entendo nem quero entender essas porra desta regra. Que se foda-se!” Mas aí tem que mudar umas pá de coisa, olhar torto, falar alto, jogar lixo na rua, pôr o pé cima do banco do trem, sei lá, ali, como eu tava na hora, atravessar no farol vermelho, eu conseguia na boa. Mas aí já iam achar que eu era também todo o resto. Fiquei ali naquela agonia, querendo fazer boa figura, redimir a raça, a barriga roncando e me dizendo que nenhum alemão naquela minha situação seria tão idiota.


Mas aí o hominho virou verde e quando eu já ia indo, veio uma ambulância, fincada. Parei de novo, ambulância pode passar no sinal vermelho, até aí é assim. Passou mesmo. Eu segui a ambulância com os olhos, pra ver se ela ia pro lado da pomba. Quando fui enfim atravessar a rua o sinal tinha acabado de avermelhar de novo, mas fui assim memo. Fiz isso só porque do outro lado vinha um tipo atravessando a rua também. E era alemão, só podia. Já viu roupa social esporte? Ou roupa esporte social? Não é nada de “esporte-chique”, essas coisa que a gente inventa aí. Parece estilo social memo, camisa, sapato, meia, cinto e a porra toda. Os pano também, pano de roupa social. Mas aí, vai vendo, de shorts. Na moral, o barato dá no meio da coxa, é shorts! Camisa social, bem passada e tal, meia social, daquelas fininha, que só tem preta, branca, azul e cinza, sapato brilhoso ... e shorts. Mas sem gravata, que tâmo no verão. Pelamordedeus! Se a ambulância salva lá a pomba, sou a favor que na primeira vuada ela cague em cima deste aí, que assim ela larga mão de comédia e vai trocar de roupa. Redículo. Tá com calor, põe logo uma bermuda tactel, camiseta e já era!, melhor que ficar com essa palhaçada. Lá com nóis, que não é Alemanha nem nada, social é social, pode tá o sol que for. E de gravata.


Fui indo, tava com pressa. Pra não prestar muito atenção na fome, ia vendo as placa dos carro. Aprendi com o meu irmão, ficar reparando em carro. Mas eu só faço isso quando tô à toa. Cada placa tem tipo o escudo do estado onde foi registrado, e as letras dão a letra da cidade. Acho que era assim: BO: Bochum; D: Düsseldorf; H: Hannover, MZ: Mainz. Certeza memo só BN ou K, que eu nem parava pra olhar, pois significa “Bonn” e “Köln”, as cidades que ficam mais aqui perto, eu já conheço o desenhinho, nem anima de ver que bicho tem. Geralmente tem cavalo, urso, leão, águia. Em cima de um carro tinha um gato preto. Sem novidade, ele tá sempre ali. Mas nesta mão ganhei a boa do o gato fica ali, dando uma de loco. É pra caçar. Caçar pomba. Dali era de esquema pra dar o bote nas coitada das pomba que faz o ninho embaixo do viaduto e ficam sempre circulando naquele pedaço. Bem nessa hora veio uma, pegou um raminho na ponta do bico, ficou estilo aquelas pomba da paz, mas essa daqui não era branca, era cinza, pomba normal, e no pescoço tinha aquelas pena que brilha quando o sol bate, pomba normalzona memo. O gato não fez nada, acho que era porque eu tava ali passando. Salvei a pomba.


Aí me deu um remorso de ter aloprado a tiazinha da boca do Chico Anísio. Porra, pomba pegando o raminho, indo construir o seu ninho, coisa mais bonita. Só faltava ser branca. E é romântico também, pomba revoa nos filme quando os casal se beija. São companhia pros povo solitário, ou véio e abandonado, que vão nas praça jogar comida pra elas. Tem gente que fala que é rato que voa, é nada. A pombinha lá voando, com o raminho na boca, porra, coisa bonita de ver. E eu, quando vinha vindo, tinha até pensado eu voltar lá onde a véia tava, parar um pouco no meio do povo, olhar bem na cara deles: e sentar o pé na pombinha zuada. Meter a bica gostoso, pra bicha voar longe e cair de cu trancado. Inda falar depois, “E vocês, vão tudo tomar no olho dos seus cu. Se fudê, bando de filha da puta, ficar velando pombo. Vai caçar o que fazer!” Ninguém nem ia entender minha indignação, eu ia passar por selvagem, uns ia ficar com medo e sair vazado, alguém ia chamar a polícia, era bem capaz de eu ir preso. Voltar pro Brasil, extraditado por causa de uma pomba. Ainda bem que não sei xingar assim em alemão. Quer dizer, eles não sabem xingar direito. O que mais fala aqui, de vez de ser “Vai tomar cu”, é “Lambe meu cu”. Porra, aí é coisa de viado! Se for lamber o cu das mina, vá lá, tá certo, mas essa fita vale aqui pra todo mundo, até homem fala isso pra outro homem. Seu eu falasse do meu jeito, o certo, eles não ia entender, e se eu falasse do jeito certo deles, o errado, eu não ia falar o que eu tinha que falar. Aí é melhor ficar calado. Assim continuei aqui.


Já na dobra da esquina de casa, passando o olho no último carro, tipo daqueles que é tipo um trailer, tinha uma placa: “Inúltil arrombar. Não há objetos de valor no interior deste veículo.” Bem assim memo, sem sacanagem nenhuma! E não era um adesivo no vidro, numas de tirar sarro. O pião tinha tido a pachorra de pôr esse troço bem na janela lateral, até com um sinal vermelho imitando as placas de trânsito, qualquer um que passava na calçada dava pra ler. Porra, aí tá de tiração! E ó, na moral, sem zueira, bem na hora vi que quase do lado do carro tinha uma porra duma pomba morta, mortinha da silva. Ela tava jogada no pé dum poste de luz. Foi o gato, pensei. Gato alemão tem boa morada, tem boa comida, pode matar só por prazer, diversão. Assassino! Porra, coitado do gato, todo mundo sabe que essa fita aí é instinto. Eles faz, mas não sabe porquê que faz. E eu esculachando com o gato. Mas o dono do carro, ah, esse eu não perdoava, esse faz de propósito. Se eu não fosse estrangeiro nem preto nem faxineiro, ia era quebrar o vidro e tacar a pomba morta lá dentro, pro fêla da puta do motorista largar mão de ser otário. O bicho já devia tá fedendo, e com o sol que tava, ia feder ainda mais bonito dentro do carro. Mas se ele insistisse naquela de escrever plaquinha idiota, podia pôr assim na próxima: “Inúltil arrombar. Além de não haver objetos de valor, o interior deste veículo fede à carniça pomba”.


O lugarzinho pra dar pau-no-cu, pensei. Onde já se viu, ficar chorando por causa de pomba, andar fantasiado, escrever essas trouxices e pôr aí pra gente ler. Remorso de cu é rola, a véia que se foda! Que fique com a boca caída e a cara torta a vida toda. O que nem é desejar tanto mal, um traste daqueles, não deve demorar muito, tá pra subir. Não gosta de pomba, vai pro céu! Aposto que tá lá agora, até agora, pensando na pomba, com aquela cara torta, a boca caída, pensando na pomba. Tiazinha doida! Aí, na moral, cê tá me entendendo, né?! Que mané pomba, quem quer saber de porra de pomba!